sexta-feira, 20 de setembro de 2013

EU NA HOLANDA

Saí do Porto em 26 de Maio de 2008. Numa manhã em que chovia copiosamente. Vieram 2 amigos comigo, tentar a melhoria das condições de vida, na Holanda. Eu tinha quem me recebesse e onde ficar. Eles, como vinham comigo, tb tiveram. Vim com 100 euros no bolso.

A razão da minha vinda foi a extrema desilusão com o meu país e a falta de perspectivas futuras. Estava desempregada a receber o fundo de desemprego, tinha 52 anos, uma relação afetiva muito desgastada pelos condicionalismos da falta de dinheiro e o facto de acreditar que a minha amiga, q já cá vivia há 3 anos, teria razão quando afirmava que a Holanda "era a minha cara".
Afinal ela conhecia-me bem: era uma longa amizade, que nos unia há dezenas de anos e um percurso em comum durante algum tempo.

Desfiz-me de tudo o q tinha em Portugal. Não tencionava regressar nunca. Voltaria apenas se tivesse condições para trazer para a Holanda as pessoas de quem gostava.

Cheguei 2 dias depois a Rotterdam. De camionete dado q as sacas q trazia (com a minha vida toda lá dentro - como se isso fosse possível...) pesavam demasiado. O que trazia: alguma roupa, alguns livros e alguma da minha música. Os meus cd. O resto dei, distribuí por quem ficou. Coisas mais íntimas deixei com o meu filho, em Bragança (onde ele vive).


A minha amiga recebeu-me bem, como era de esperar. Mas aos meus amigos, nem por isso... de facto não pareciam ser vem vindos para ela. Incomodou-me esse facto.
No meu caso, nada tenho a queixar-me para além da forma de vida q ela levava e que não era de todo a que queria para mim. Mas isso eu já sabia. A casa dela era a minha plataforma inicial para arranjar trabalho e um local só para mim.

Tive muita sorte. A 1ª empresa a que me fui oferecer para trabalhar parece q estava à minha espera. Quando viram q falava bem inglês e q me dispunha a trabalhar aos fins de semana, deram-me logo emprego.

Comecei a trabalhar a 4 de Junho de 2008, num Hotel de Rotterdam. Limpezas, claro.
Tinha colegas de trabalho de várias nacionalidades, incluindo portuguesa. Foi fácil a adaptação. Difícil era o trabalho para os meus 52 anos e para os problemas de saúde q já trazia de Portugal. Mas aguentava firme. As colegas eram todas jovens e percebiam a minha dificuldade em várias tarefas. Não tenho razão de queixa de nenhuma. Vidas e objetivos de vida muito diferentes dos meus, mas isso não impedia q me desse sempre bem com todas.
Trabalhava então em 2 hoteis no centro de Rotterdam. Qdo havia mais trabalho num q no outro, a empresa contratante distribuía-nos. São perto um do outro mas com donos diferentes.
O dono de um é holandês. Era antipático, arrogante e grosseiro. Tive algumas falas menos agradáveis com ele. Cheguei a dizer na empresa contratante q não queria trabalhar lá mais.
O outro hotel foi entretanto vendido a chineses. No início de 2009 consegui q o patrão chinês nos fizesse um contrato direto. Trazia-nos muito mais segurança e regalias. Para ele tb era bom porque ficava-lhe mais barato. O manager (tb chinês) conversava imenso comigo. Até me fazia confidências. Não percebia como é q eu trabalhava em limpezas...

Em Portugal fui empregada de escritório, vendedora de seguros, de publicidade, gerente de um centro de explicações, dona de um café, gerente de um bar/restaurante e empregada de mesa. Assim, por esta ordem.

....................................................................................................
 
No final de Outubro de 2008 voltei a Portugal por uns 15 dias. Com a ideia de dizer ao meu companheiro para vir.
Já tinha saído de casa da minha amiga e alugado um quarto só para mim. Andava satisfeita. Gostava imenso de viver aqui e este era de facto o país onde queria ficar para sempre.
A única dificuldade era a língua. Mas só para coisas oficiais. No Hotel toda a gente falava inglês. Nas lojas tb. Sentia-me feliz e cheia de força.
"Ninguém volta ao que acabou", diz o poeta. E tem razão. Eu voltei. Para mim ainda não tinha acabado... tive uma imensa e profunda desilusão. Para ele já tinha acabado. Recebeu-me bem, como se recebe uma pessoa q vem de visita. Já não pertencia à vida dele e muito menos ao futuro.
Compreendi e desliguei dessa história de um grande amor na minha vida. Durou quase 4 anos. "Foi bonita a festa, pá....". Enterrei essa Manela quando o avião levantou voo para o meu regresso à Holanda. Definitivamente rompi com Portugal.

Havia o meu filho que queria trazer para aqui. Criei condições para isso. Consegui (com muita sorte) uma casa onde morar sozinha. Aluguei-a, disse ao meu filho para vir. Eu tinha trabalho, casa e dinheiro para ambos vivermos bem. Ele havia de arranjar trabalho e fazer cá a vida dele. Ele veio em Fevereiro de 2009, teve 2 meses sem arranjar trabalho. Por fim arranjou (embora precário) mas tinha imensas saudades da namorada. Sentia-o triste e infeliz. Ele punha sempre defeitos a tudo. Disse-lhe q fizesse a escolha dele. Fez. Regressou a Portugal em Agosto. Eu tinha arranjado duas gatinhas manas recém nascidas. Perfilhei-as. Afinal eu amo ser mãe. Gosto de ter de quem cuidar. Gosto de proporcionar felicidade e alegria a quem está comigo. Elas são felizes comigo. Precisam de mim e eu delas.

...................................................................................................

Como era de prever, com tanto trabalho e tão pesado para mim, comecei a ter imensos problemas de saúde. Dores nas costas e crises de ciática. Fiquei em pânico. Senti-me perdida e sem futuro. Que poderia eu fazer?! Entrei em depressão. Profunda. Chorava muito. Fiquei com "baixa". Passei a ser tratada em psiquiatria e psicologia. Mas, estava na Holanda. Aqui não desprezam quem está mal. Tive excelentes médicos. Excelente tratamento. Muitas ajudas de várias instituições e pessoas individuais. Holandeses. Todos me apoiaram e me fizeram sair desse estado.
O psicólogo sobretudo. Após um ano de tratamento - 1º semanalmente, depois quinzenal e por fim mensal, consegui dar-lhe "alta" e ficar BOA. Sim. Completamente curada. Curada de toda uma vida de sofrimento, desilusões e dificuldades monetárias. Nunca vivi bem. Sou filha de gente pobre e trabalhadora e criei um filho desde os 2 anos sózinha e com bastantes dificuldades.
Um passado que ficou definitivamente resolvido com a ajuda do psicólogo.
Aprendi a valorizar tudo o que tenho. A valorizar-me. A ser feliz e a apreciar as pequenas conquistas da minha vida. A olhar o céu. A viver de acordo com a natureza. A ter paz. 

.........................................................................................................

Apesar de doente nunca deixei de trabalhar. Ofereci-me sempre para voluntariados. Primeiro só tinha um, uma vez por semana. Junto de pessoas com problemas de exclusão social. Drogados e excluídos. Sirvo-os numa instituição q os acolhe. É muito gratificante embora triste........................................ Chamam-me "mamã"....

Mas, era só um dia, queria mais. Fui oferecer-me para outro. Agora estou em ambos. Tenho todos os dias da semana ocupados. Algumas horas, não muitas. Já vou fazer 58 anos....

Gostam de mim. Gosto deles. Gosto do que faço. Gosto dos colegas. Holandeses e de outros países.

Entretanto consegui outra casa, onde moro agora. Bonita. Pequenina. Num 8º andar. Posso olhar o céu e olho. Posso viver em paz com as minhas gatinhas e vivo.

Tenho um subsídio concedido pelo estado para pessoas desempregadas. Não é muito nem é pouco. Consigo viver. Sem luxos mas com qualidade de vida. E sobretudo em paz. Não preciso de muito. Levo uma vida muito calma e recatada. Gosto da minha vida. Passeio muito sozinha. Gosto de andar sozinha. Quando tenho companhia tb é bom. Ando com um  rollator. (Fui operada há um ano ao joelho)
Quando posso faço umas mini-férias. Em casa de amigos aqui, ou umas fugidas a outros países em viagens promocionais.

.....................................................................................................

A Holanda é mesmo a minha cara. Gosto da forma de ser dos holandeses. Não fazem perguntas difíceis. Aceitam as diversidades dos outros. São politicamente corretos. Não se metem na vida dos outros. São educados. São solidários se precisares e pedires. São compreensivos. Nunca me senti discriminada nem hostilizada. Só quando digo q sou portuguesa os surpreendo. Não tenho aspeto disso nem o estilo de vida português. Em Portugal tb não tinha. E hostilizavam-me.

Há uma miscelânea de gentes e de culturas neste país que me agrada. Gente de todo o mundo. Modos de ser e estar completamente diferentes e q coabitam e interagem. A Holanda, como o resto do mundo, está em mudança... Não creio q vá para melhor, pelo menos nos próximos anos. Há imensas coisas para corrigir tb aqui. É inevitável.

Não penso no futuro. O futuro é amanhã. É o que vou fazer amanhã. Sou uma inconsciente. Não tenho dinheiro junto, não tenho projetos de vida, não tenho desejos nem frustrações. Quero viver esta minha paz e conseguir transmiti-la a quem quiser. Quero continuar aqui na Holanda. Não tenho país. Este é o meu, agora. Porque aqui me sinto bem.
Não tenho nada a ver com a maioria dos portugueses que vivem na Holanda. Não temos as mesmas necessidades nem os mesmos desejos. Nada tenho contra eles e contra o que querem. Mas não é nada comigo. O que me une aos outros é o desejo de paz, alegria e bem estar. Pontualmente. E isto é independente de nações. É apenas humano. Humanismo e liberdade. Valores universais de justiça e paz. 

.......................................................................................


6 comentários:

  1. Que continues com esses valores universais, com a tua força e vida.

    Gosto de ti, mulher!
    :)

    Beijo

    ResponderEliminar
  2. Recebido por mail, do meu irmão:

    "Querida irmã,
    És uma heroína e um Bom exemplo para mim.
    Sempre pude contar com o teu apoio.
    Nem sempre concordei com as tuas escolhas... Algumas vezes poderiam ter sido melhores... Mas fui aprendendo que as escolhas que fazemos na vida são extremamente condicionadas pelas circunstâncias que vamos vivendo. E a sorte nunca está do lado dos pobres! Nem dos justos! O que ainda é mais triste...
    O nosso pai ensinou-nos que o oportunismo é um defeito. Mas vivemos num mundo orientado para os que "sabem aproveitar as oportunidades". Não é a mesma coisa. Aproveitar as oportunidades é a atitude correcta. Oportunismo é passar por cima de quem quer que seja para obter benefícios meramente pessoais. O nosso pai tinha razão!!! A cultura vigente no mundo confunde os conceitos e legitima todos os genocídios...
    Os oportunista são premiados, admirados e bajulados pelo poder que se atribuem. Os bons e os justos são explorados, desprezados e até gozados por não colocarem o sucesso pessoal acima dos Bons Princípios.

    Gostei do minúsculo resumo da tua história de vida. Percebo a tua grande coragem de "ir dando a volta por cima" e viver o presente o melhor que podes. Percebo que não "prepares" o futuro... Só se consegue preparar o futuro quando existem condições para haver algum excedente, após garantir a sobrevivência...

    Gosto muito de Ti!
    Miguel"

    ResponderEliminar
  3. Querida Guevarista,Historia bonita que afinal seria a historia de todos nos ( os autoexilados ...)
    Nao e' tarde e deves comecar desde ja' a preparar o futuro,pois nos dias de hoje e' imprescindivel pensar tambem no amanha.beijos

    ResponderEliminar
  4. Olá. Adorei a maneira como escreveste o resumo da tua Grande Vida, as palavras são como facas sempre ouvi dizer, está lindo e triste ao mesmo tempo,mas é um exemplo de vida,sinceridade, honestidade e paixão pela vida, acreditar, querer...a procura, não te conheço mas tiro-te o meu chapéu para ti, mulher de coragem. Cristina

    ResponderEliminar
  5. Adorei o texto. Vejo muito da minha vida no seu texto. Se me puder ajudar, gostaria de saber um bom psicologo referenciado por si.

    ResponderEliminar