quarta-feira, 26 de outubro de 2011




Maria de chorar

26 de Outubro de 2011 às 17:27

Portugal incomunicável
Inanimado, amante insustentável
Olhos sem pontos de vista
Aos molhos, aos cheiros
Teimosamente estrangeiros
Com asma que estava prevista.


Ó Portugal!
Os astros adivinham-te
O Mar e o Céu vociferam
Os deuses desesperam
O vento seco e ligeiro
Seca a palha do teu palheiro.

Maria!...
Leva-me, embala-me em delícias
Beija-me o sonho que tu quiseres ou quisesses
Que se eu não fosse e tu dissesses
Eu não ia?
Ia, ia!

Maria!...
Não fiques para tia,
Filha-me…
Diz-me onde é
Que eu vou…
Ponho-me de pé
E mesmo que seja intragável
Adio o inadiável.


Ret(r)ocado e dedicado à minha amiga Manela Martins portuguesa de Roterdão que é como que diz cidadã do mundo pelo sim, pelo não...



PAULO ANES

segunda-feira, 12 de setembro de 2011





Ode ao Gato



Tu e eu temos de permeio
a rebeldia que desassossega,
a matéria compulsiva dos sentidos.
Que ninguém nos dome,
que ninguém tente
reduzir-nos ao silêncio branco da cinza,
pois nós temos fôlegos largos
de vento e de névoa
para de novo nos erguermos
e, sobre o desconsolo dos escombros,
formarmos o salto
que leva à glória ou à morte,
conforme a harmonia dos astros
e a regra elementar do destino.






José Jorge Letria, in "Animália Odes aos Bichos"

quinta-feira, 14 de julho de 2011

MEU IRMÃO, ALMA-GÉMEA

Há 25 anos decidiste partir: obrigada Tony Abecasis por tudo o que partilhamos.


14 de Julho 1986. Hoje 2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Para as minhas gatitas que fazem hoje 2 anos - 13 de Junho de 2011


Quem há-de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?

Sempre que pode
foge prá rua,
cheira o passeio
e volta pra trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva
desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.
Quando abro a porta corre pra mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase,
ronronando.

Repito a festa,
vagarosamente.
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas.
e rosna.
Rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.

Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?

domingo, 22 de maio de 2011

22 DE MAIO - PARABÉNS FILHOTE


A ADIADA ENCHENTE

Velho, não.
Entardecido, talvez.
Antigo, sim.

Me tornei antigo
porque a vida,
tantas vezes, se demorou.
E eu a esperei
como um rio aguarda a cheia.

DE MIA COUTO

segunda-feira, 9 de maio de 2011

AS PALAVRAS



António Ramos Rosa

As palavras

Adiro a uma nova terra adiro a um novo corpo
As palavras identificam-se com o asfalto negro
o tropel das nuvens
a espessura azul das árvores acesas pelos faróis
o rumor verde
As palavras saem de um ferida exangue
de teclas de metal fresco
de caminhos e sombras
da vertigem de ser só um deserto
de armas de gume branco
Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos
e há palavras como giestas vivas
Matrizes primordiais matéria habitada
forma indizível num rectângulo de argila
quem alimenta este silêncio senão o gosto de
colocar pedra sobre pedra até á oblíqua exactidão?
As palavras vêm de lugares fragmentários
de uma disseminação de iniciais
de magmas respirados
de odor de gérmen de olhos
As palavras podem formar uma escrita nativa
de corpos claros
Que são as palavras?Imprecisas armas
em praias concêntricas
torres de sílex e de cal
aves insólitas
As palavras são travessias brancas faces
giratórias
elas permitem a ascensão das formas
elevam-se estrato após estrato
ou voam em diagonal
até à cúpula diáfana
As palavras são por vezes um clarão no dia calcinado
Que enfrentam as palavras?O espelho
da noite a sua impossível
elipse
Saem da noite despedaçadas feridas
e são signos do acaso pedras de sol e sal
a da sua língua nascem estrelas trituradas

de Gravitações(1984) 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Palabras para Julia Paco Ibánez



PALABRAS PARA JULIA

Tú no puedes volver atrás
porque la vida ya te empuja
como un aullido interminable.

Hija mía es mejor vivir
con la alegría de los hombres
que llorar ante el muro ciego.

Te sentirás acorralada
te sentirás perdida o sola
tal vez querrás no haber nacido.

Yo sé muy bien que te dirán
que la vida no tiene objeto
que es un asunto desgraciado.

Entonces siempre acuérdate
de lo que un día yo escribí
pensando en ti como ahora pienso.

La vida es bella, ya verás
como a pesar de los pesares
tendrás amigos, tendrás amor.

Un hombre solo, una mujer
así tomados, de uno en uno
son como polvo, no son nada.

Pero yo cuando te hablo a ti
cuando te escribo estas palabras
pienso también en otra gente.

Tu destino está en los demás
tu futuro es tu propia vida
tu dignidad es la de todos.

Otros esperan que resistas
que les ayude tu alegría
tu canción entre sus canciones.

Entonces siempre acuérdate
de lo que un día yo escribí
pensando en ti como ahora pienso.

Nunca te entregues ni te apartes
junto al camino, nunca digas
no puedo más y aquí me quedo.

La vida es bella, tú verás
como a pesar de los pesares
tendrás amor, tendrás amigos.

Por lo demás no hay elección
y este mundo tal como es
será todo tu patrimonio.

Perdóname no sé decirte
nada más pero tú comprende
que yo aún estoy en el camino.

Y siempre siempre acuérdate
de lo que un día yo escribí
pensando en ti como ahora pienso.

José Agustín Goytisolo.