segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Envelhecer

Envelhecer




Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, 


sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o sginificado das coisas, tudo se repete 


tão terrível e fastidiosamente. 


Isso também é velhice. 


Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. 


E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer... 


Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, 


ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. 


A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito 


que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, 


deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, 


ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. 




Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, 


conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem 


da vida. 


Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar 


ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas 


nada, nem o bem, nem o mal... e isso é precisamente a velhice.



Sándor Márai  in As velas ardem até ao fim