quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
sábado, 18 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
O jogo do mundo
"O jogo da macaca joga-se com uma pedra que tem de se empurrar com a biqueira do sapato.
Ingredientes: um passeio, uma pedra, um sapato e um belo desenho feito com giz, de
preferência colorido.
O Céu está lá ao fundo e a Terra aqui em baixo, é muito difícil acertar com a pedra no Céu,
calcula-se quase sempre mal e a pedra sai do desenho. Pouco a pouco, no entanto, vai-se
adquirindo a habilidade necessária para acertar em todas as casas (a macaca em caracol,
rectangular, de fantasia, pouco utilizada), e um dia aprende-se a sair da Terra e a levar a pedra
até ao Céu, até chegar ao Céu (…); o problema é que é precisamente nessa altura, quando
quase ninguém aprendeu ainda a levar a pedra até ao Céu, que a infância se acaba e de repente
se cai nos romances, na angústia inútil, na especulação de outro Céu ao qual também é preciso
aprender a chegar.
E como já se saiu da infância (…) esquece-se que para chegar ao Céu são necessários uma pedra
e a biqueira do sapato, como utensílios básicos."
JULIO CORTAZAR
"O jogo da macaca joga-se com uma pedra que tem de se empurrar com a biqueira do sapato.
Ingredientes: um passeio, uma pedra, um sapato e um belo desenho feito com giz, de
preferência colorido.
O Céu está lá ao fundo e a Terra aqui em baixo, é muito difícil acertar com a pedra no Céu,
calcula-se quase sempre mal e a pedra sai do desenho. Pouco a pouco, no entanto, vai-se
adquirindo a habilidade necessária para acertar em todas as casas (a macaca em caracol,
rectangular, de fantasia, pouco utilizada), e um dia aprende-se a sair da Terra e a levar a pedra
até ao Céu, até chegar ao Céu (…); o problema é que é precisamente nessa altura, quando
quase ninguém aprendeu ainda a levar a pedra até ao Céu, que a infância se acaba e de repente
se cai nos romances, na angústia inútil, na especulação de outro Céu ao qual também é preciso
aprender a chegar.
E como já se saiu da infância (…) esquece-se que para chegar ao Céu são necessários uma pedra
e a biqueira do sapato, como utensílios básicos."
JULIO CORTAZAR
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Envelhecer
Envelhecer
Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas,
sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o sginificado das coisas, tudo se repete
tão terrível e fastidiosamente.
Isso também é velhice.
Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo.
E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer...
Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos,
ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes.
A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito
que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se,
deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações,
ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente.
Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz,
conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem
da vida.
Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar
ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas
nada, nem o bem, nem o mal... e isso é precisamente a velhice.
Sándor Márai in As velas ardem até ao fim
Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas,
sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o sginificado das coisas, tudo se repete
tão terrível e fastidiosamente.
Isso também é velhice.
Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo.
E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer...
Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos,
ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes.
A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito
que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se,
deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações,
ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente.
Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz,
conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem
da vida.
Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar
ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas
nada, nem o bem, nem o mal... e isso é precisamente a velhice.
Sándor Márai in As velas ardem até ao fim
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